Tráfico de fetos chineses para curar doentes do Ocidente
20:11, 14 de dezembro de 2011 mclaire CRIANÇA, CRIME, DIREITOS HUMANOS, POLÊMICA
Por Maria Laura Neves
Nos últimos anos, a China atraiu milhares de estrangeiros doentes em busca dos tratamentos com células-tronco oferecidos pelos hospitais locais. São pacientes que têm de diabetes a doenças neurológicas degenerativas, como o Parkinson, que viajam até Pequim ou outras províncias chinesas para receber injeções de células-tronco que chegam a custar quase US$ 2 mil, cada aplicação. Em uma investigação primorosa, a jornalista Fiona Tam, do South China Morning Post(um jornal sediado em Hong Kong e portanto livre da censura do Partido Comunista Chinês) denunciou que boa parte dessas células são retiradas de fetos abortados nos hospitais locais, vítimas da política do filho único chinesa. Segundo a reportagem de Fiona, as grávidas chinesas não têm conhecimento do que acontece com seus filhos depois que o aborto é realizado, muito menos dos direitos que possuem sobre eles. Uma investigação policial local levou à denúncia de três enfermeiros de um hospital chinês que venderam um feto abortado para um laboratório de pesquisas para produção de pele e córneas artificiais. Placentas também são vendidas clandestinamente para a indústria farmacêutica.
Além disso, Fiona levanta a discussão no seu país sobre a eficácia e os efeitos colaterais desse tipo de tratamento, altamente questionado nos países ocidentais e amplamente aceito na China. Segundo dados que a jornalista levantou, cerca de 10 mil estrangeiros de 70 países foram até a China em busca dessas injeções nos últimos anos. “Os hospitais chineses vendem tratamentos revolucionários que levam a cura de doenças como paralisia cerebral, autismo, esclerose lateral amiotrófica, Parkinson, lesões na coluna vertebral, na medula e no nervo óptico”, diz a reportagem. “Se o que prometem os hospitais chineses for verdade, estamos diante de um milagre”, disse Marius Wernig, pesquisador do Instituto de Biologia de Células-Tronco e Medicina Regenerativa da Universidade de Stanford, na Califórnia, nos Estados Unidos, à Fiona. Isso porque as células-tronco têm uma capacidade limitada de regenerar cicatrizes, ossos e gordura. Mas não existe nenhuma comprovação científica de que elas reconstroem tecidos de órgãos ou células neurais. Os efeitos colaterais ainda são desconhecidos pelos médicos, que na maioria das vezes não sabem como controlá-los. Fiona entrevistou o irmão de uma paciente que morreu dois dias depois de iniciar o tratamento com células-tronco retiradas de fetos em um hospital chinês.
Uma reportagem do ano passado da revista inglesa The Economist corrobora a investigação de Fiona, mas diz que, ao mesmo tempo, pesquisas sérias estão sendo realizadas no país com muito mais afinco do que nos países do Ocidente. Existem duas hipóteses por trás desse fenômeno. A primeira é a crença, disseminada na China e também na Coreia, de que os fetos não são seres humanos. A segunda seria ganhar a corrida pela liderança em pesquisas em biotecnologia do Ocidente, onde as discussões éticas são levantadas a cada nova descoberta científica. Essa combinação de fatores fez com que o governo chinês investisse pesadamente nas pesquisas com células-tronco nos últimos anos. A política do filho único e a realização de um grande número de abortos induzidos no país ajudaria, dessa forma, o governo a ter um banco ilimitado de fornecedores de células-tronco fetais, sem que as mães saibam que seus filhos estão sendo traficados ilegalmente para financiar as pesquisas e aumentar os lucros dos hospitais locais.
A reportagem de Fiona ganhou o primeiro lugar da categoria Ásia e Oceano Pacífico do prêmio internacional Lorenzo Natali, em Bruxelas, organizado pela União Européia em parceria com a ONG Repórteres sem Fronteiras. Para ler a reportagem, clique aqui.